Quando a ponte que ligava Nova Roma do Sul a Farroupilha foi levada pelas águas durante as enchentes de 2023, muitos temeram que a região ficasse isolada por anos. O orçamento estimado pelo governo para reconstruí-la era de R$ 25 milhões — valor alto e sem previsão de liberação imediata. Mas o que parecia uma tragédia permanente virou exemplo de superação: em poucos meses, a própria comunidade mobilizou recursos, mão de obra e competências técnicas para erguer uma nova ponte, entregue por R$ 7 milhões, menos de um terço do valor previsto inicialmente.

A obra foi financiada inteiramente por doações — de pequenos agricultores, empresários, moradores e entidades locais. Sem verbas públicas. Sem atrasos. Sem superfaturamento.

Agora, o projeto inspira uma nova iniciativa: usar o mesmo modelo de mutirão e financiamento coletivo para enfrentar um dos maiores desafios do país — o acesso à assistência médica e hospitalar, através da Plataforma Crowdcare.

“Se conseguimos construir uma ponte desse porte apenas com o esforço coletivo, por que não podemos aplicar essa lógica para salvar vidas e garantir acesso à saúde?”, pergunta o engenheiro civil Daniel Araldi, um dos coordenadores voluntários da obra. “Foi a união da comunidade que fez tudo acontecer. Esse modelo pode perfeitamente ser replicado para criar um fundo comunitário de saúde.”

A ideia já começa a tomar forma. Um grupo de profissionais da área da saúde, empresários e representantes da sociedade civil estruturou uma plataforma digital que funcionará nos moldes de um crowdfunding recorrente, com total transparência e prestação de contas aos membros. O objetivo é criar um fundo de saúde, capaz de custear procedimentos médicos, exames, medicamentos e cirurgias eletivas.

A médica de família Dra. Helena Zorzi, que atua na região serrana há mais de 15 anos, vê a proposta com entusiasmo. “Muitos dos nossos pacientes esperam meses por uma ressonância, por uma cirurgia simples, ou por um procedimento que o SUS não consegue entregar com agilidade. Se uma comunidade consegue se organizar para financiar uma ponte, pode também cuidar dos seus próprios doentes com dignidade e agilidade.”

Segundo os idealizadores, o projeto será voltado especialmente a qualquer pessoa, aqueles que tem plano de saúde, mas querem uma mudança e os que ainda não tem e dependem do SUS. A plataforma, em fase de implementação, permitirá doações mensais – e talvez algumas  pontuais, inclusive via PIX, com atualizações regulares sobre como os recursos estão sendo usados, disponível para todos os membros.

Para a empresária Luciana Barletta, que doou R$ 80 mil à construção da ponte e agora colabora com o projeto da saúde, o segredo está na confiança. “Quando você sabe para onde o dinheiro vai, quando conhece quem está à frente, a doação deixa de ser caridade e vira investimento social. A ponte nos mostrou que somos capazes de fazer o que o Estado demora anos para entregar.”

A iniciativa não pretende substituir o Sistema Único de Saúde, mas atuar de forma complementar e emergencial, oferecendo resposta rápida a demandas locais enquanto políticas públicas mais robustas não chegam.

A ponte entre Nova Roma do Sul e Farroupilha já está de pé. Agora, a Crowdcare mostra que a próxima travessia pode ser ainda mais vital: encurtar a distância entre o paciente e o tratamento de que ele precisa.

Lee Cerasani